Almoço na igreja seguido de bingo. Atividade social de primeira ordem no meu bairro, momento de descontração, encontro de vizinhos e suas famílias e, por que não dizer, de considerável aporte de recursos financeiros para a manutenção do templo.
Hora do bingo, as pessoas se apressam para comprar suas cartelas e pegar canetas e lápis para marcar seus pontos. Todos se sentam e aguardam ansiosos o início do sorteio dos números. O animador então tem a brilhante ideia de convidar uma menina – por acaso minha sobrinha – muito simpática e querida por todos, para que ela anunciasse os números sorteados. O globo com as bolas é então girado e a primeira bola é sorteada. O número é passado para a menina que, com um grande sorriso e com notável performance para a sua idade (uns 8 anos talvez?) anuncia ao microfone:
― 18!
Alguns avidamente marcam suas cartelas, outros ficam imóveis e outros ainda não escondem a frustração de já estarem em segundo lugar na disputa. O globo com as bolas é novamente girado e mais uma bola é sorteada. O número é passado para a menina que, com a autoconfiança em franca ascensão, anuncia ao microfone:
― 57!
O ritual se repete, enquanto alguns marcam suas cartelas, outros permanecem imóveis e alguém pergunta: “qual foi o primeiro número”? O globo com as bolas é mais uma vez girado e nova bola é sorteada. O número é passado para a menina que, a essa altura, já pensa na carreira profissional (para poder sonhar com a aposentadoria integral, lógico). Ela então anuncia ao microfone:
― 63!
O processo vai se repetindo. Enquanto alguns vão se empolgando com os números que, sem mérito algum, já obtiveram, outros começam a reclamar do azar mandando girar o globo direito (como se houvesse um procedimento normatizado para isso). Lá pelas tantas, tem sempre alguém que se acha mais engraçado que os outros e grita “água”! E a menina, agora absolutamente no controle da situação, faz charminho no microfone, pose pra foto e ainda arrisca fazer um suspense (ignorando que boa parte dos presentes já passou da idade para se considerar isso uma prática segura). E anuncia ao microfone:
― 7!
Por fim, o inevitável acontece: alguém grita “Bingo”! Protestos generalizados, lamentos de “só faltava um no meu” e o rigorosíssimo processo de conferir um por um os números na cartela do suposto vencedor. Feita a auditoria, constata-se que o vencedor faz jus ao seu prêmio, que tanto faz se é um aparelho de Blue-Ray ou um LP da Tetê Espíndola, o importante é que eu ganhei!
Mas então o animador da festa resolveu incrementar a brincadeira. Ofereceu então um CD de um artista amigo dele (ou de algum lote encalhado, isso pouco importa) para quem fechasse a próxima cartela. Acontece que, como só quem já participou de bingos “apenas para diversão” sabe, quando o sorteio das bolas é retomado, fatalmente mais de uma cartela acaba sendo concluída, o que significa que não basta ter um prêmio para o segundo colocado, pois haverá vários deles. E a menina prosseguiu com seu ofício de anunciar números sorteados ao acaso.
― 20!
“Bingo”! “Bingo”! “Bingo”! Danou-se! O animador aprendeu a lição tarde demais. Os três vencedores então se dirigiram para a frente do salão para exigirem seus direitos constitucionais de adquirirem um CD que até cinco minutos antes eles nunca tinham ouvido falar. O animador, atarantado, levou os conquistadores para um canto onde estava a sua maleta e de lá conseguiu sacar outros dois CDs (donde se conclui que estavam encalhados mesmo). Explicações, apertos de mão, sorrisos, afinal, é tudo uma brincadeira, é pela igreja, aquelas coisas...
As pessoas voltaram para as suas mesas, algumas começavam já a se despedir, o pároco satisfeito com o sucesso do evento. Então, subitamente, o animador teve consciência de que um erro gravíssimo havia sido cometido: ele havia esquecido de avisar a menina, que continuava com o microfone e com o globo de bolas, de que a brincadeira já havia terminado.
― 14!
Metade dos presentes se levantou, o vozerio elevou-se num único e poderoso grito: “Bingo”! A festa da igreja virou arquibancada do São Januário em dia de rebaixamento do Vasco. O animador foi acuado num canto do salão e passou a pensar somente em sua mulher e seus filhos, enquanto o pároco retirou-se para orar pelas vítimas do desastre. Os detentores dos prêmios riam histericamente em suas mesas enquanto outros que nem assim haviam ganho algo começavam a gritar “marmelada”! Duas senhoras começaram a revirar o lixo em busca das cartelas amassadas. O diácono, policial aposentado, pôs-se a procurar pela sua arma (nunca acho quando preciso!), enquanto pessoas que ninguém conhecia aproveitaram a confusão para entrar e se servir do buffet, já frio mas ainda bastante saboroso. Por fim, após muita confusão, organizou-se uma fila e o animador começou a anotar os nomes dos ganhadores com a promessa de trazer mais CDs no próximo domingo. A essa altura, a auditoria tinha ido pras cucuias e pouco importava se o cara tinha acertado ou não, o importante era sair vivo dali. Aos poucos o caos foi dando lugar à ordem, como acontece em toda ditadura militar, e as pessoas, agora mais calmas e sorridentes, voltavam para seus lugares, aliviadas por encontrarem suas bolsas onde haviam deixado. Os penetras sumiram, as mesas começaram a ser fechadas, as pessoas começavam a se despedir e se dirigir para a saída, já especulando como seria o bingo do ano que vem. O animador, com a camisa empapada de suor, sentou-se a uma mesa, apoiou o cotovelo nela e pousou galantemente seu rosto na mão agora não tão trêmula. Sua pressão arterial e respiração já começavam a voltar a patamares normais e ele já pensava em como havia se metido nessa encrenca. Subitamente, uma vozinha angelical foi ouvida nos alto-falantes:
― 36!
Associado da Aenfer - Reinaldo V. Theodoro
Adorei!!! Divertido... Sou vascaínaaaa
ResponderExcluirParabéns Reinaldo
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