Iniciemos
por caracterizar, na forma onomástica, a testemunha ocular desta história, que
seria inusitada não tivesse ela se desenrolado num proscênio da conturbada vida
carioca. Luma, recatada senhora na faixa dos cinqüenta anos, precisou ir a uma
agência tijucana da Caixa Econômica Federal, numa tórrida manhã de verão
carioca, para tratar dos assuntos financeiros com que qualquer cidadão
contribuinte comum tem que se defrontar no seu dia-a-dia.
Estava
ela sentada num dos bancos que algumas instituições bancárias bolaram, de uns
tempos para cá, a fim de que os clientes aguardem seu atendimento com algum
conforto. Súbito, eis que surge a seu lado um cidadão destilando vitupérios a
torto e a direita. Tratava-se de alguém com ar bastante respeitável, beirando,
também, os cinqüenta anos, convenientemente trajado com um elegante terno, ou,
talvez, inconvenientemente, se se considerasse a canícula reinante no exterior
da agência.
Essas
circunstâncias fizeram com que a nossa personagem ventilasse a hipótese de que
o indivíduo manifestasse alguma revolta gerada por um possível mau atendimento
por parte de alguém do banco. Sem qualquer pausa, o cidadão invectivou uma
idosa senhora que, naquele momento, fazia qualquer operação num dos caixas
eletrônicos e, em altos brados, comentou:
- Aquela lá é a Eva Wilma! Não vale nada!
Foi
aí que a ficha da Sra. Luma caiu e ela se deu conta de que o “figuraço”
alardeava evidentes indícios de demência ou de esquizofrenia. Posteriormente,
ficou sabendo, por informação de alguém do banco, que se tratava de pessoa
esquizofrênica e que, outrora, desfrutara de uma sólida posição empresarial.
Já
havia cumulado vários dos presentes de todos os tipos de impropérios
imagináveis, quando, de repente, percebeu a presença da nossa personagem a seu
lado, tendo, nessa ocasião, se dirigido a ela nos seguintes termos:
- Deborah Secco!!! Você é a Deborah Secco!
Ela,
com um natural receio de contrariá-lo, assentiu com a cabeça. Foi nesse momento
que um obsequioso serviçal da segurança, que, anteriormente, fora chamado por
ele de Fúlvio Stefanini, apiedou-se de Sra. Luma e, dirigindo-se ao cidadão,
pediu, cortesmente, que ele se adiantasse, colocando-se na fila, que era o
estágio seguinte para o atendimento, o que fez, relutantemente, após ter
arregaçado a calça, exibindo para a Sra. Luma uma perna inteiramente isenta de
qualquer mancha ou cicatriz e atirou essa:
- Está vendo isso aqui? É bala!
Curiosamente,
uma outra senhora que se encontrava num banco da fila de trás, logo após a
retirada do cidadão, comentou:
- Eu tenho a impressão de que esse homem não é muito
certo da cabeça!
Ao
que a nossa personagem replicou:
- A senhora tem a impressão? Ele é completamente
louco!
Decorridos
alguns minutos, foi a vez de a Sra. Luma ser chamada para integrar a fila, o
que fez com certo receio de voltar a ser abordada por ele, que, felizmente, já
se encontrava a uma boa distância à sua frente, apontando para um moço bastante
jovem, de bigodinho incipiente, e dizendo:
- Esse aqui é o
Aécio Neves!
Um
senhor, já alquebrado, de idade bastante avançada, portando uma bengala,
acabava, nesse momento, de ser atendido e, ao se aproximar, com grande
dificuldade, do local onde se encontrava o cidadão esquizofrênico na fila,
ainda teve que ouvir dele a seguinte recriminação:
- Esse aqui não vale p. nenhuma!!! É um belzebu!!!
O
pobre do velho, seja porque a burlesca cena nada lhe tornasse compreensível, ou
porque já lhe falhasse a capacidade de apreensão dos fatos a seu redor, não
entendeu patavinas e prosseguiu, aparvalhado, sua trôpega caminhada em direção
à porta de saída.
Chegou
a vez de o personagem ser atendido por uma assustada jovem, que, possivelmente,
deplorava a sorte de ter sido, dentre uma meia dúzia de funcionários, a eleita
pelo destino para a ingente tarefa. Nesse momento, dirigindo o olhar para as
pessoas na parte de trás da fila, avistou, a certa distância, a Sra. Luma e
gritou, a plenos pulmões, indicando a jovem funcionária que o atendia:
- Deborah Secco!!! Deborah Secco!!! Olha aqui a
Christiane Torloni, sua amiga!
Após
ser atendido, quando já se retirava, parou perto da Sra. Luma e, apontando para
uma jovem que se encontrava na frente dela na fila, disse, em tom bastante
colérico:
- Essa aqui é um tremendo 171!!! - e continuou, quase
sem interrupção - Vai pr´a p. q. p.!!!
A
jovem, muito receosa de ser mais contundente em sua reação, só fez esboçar um
sorriso.
Ao
se dirigir à porta de saída, o iracundo senhor repetia, seguidamente, essa
expressão emblemática em altos brados, quando, subitamente, avistou o guarda da
segurança que chamara, anteriormente, de Fúlvio Stefanini. Abrindo os braços,
desafiou o segurança, cujo nome, com toda certeza, não era Fúlvio Stefanini,
nem, tampouco, o que usou naquele momento:
- Zé Antônio!!! O que está olhando? Pode me matar!
Estou de peito aberto! Atira!!!
Em
seguida, retirou-se sem que a ressonância da expressão emblemática se
desvanecesse dentro do recinto.
Rio
de Janeiro, 14 de julho de 2008.
CARLOS
EDUARDO MUNIZ DA SILVA
Brilhante texto Carlos Eduardo!!
ResponderExcluir👏👏👏👏👏👏
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